Afrancesar Largo do Arouche é burrice de Doria, afirma especialista

Profissional de place branding, Caio Esteves explica a importância de reforçar identidade de lugares em vez de ir contra ela

Publicado em 23/04/2017
largo do arouche lgbt
Falta de diálogo com quem frequenta Largo do Arouche é grave, afirma profissional

Por Welton Trindade

Marca de empresas, marca pessoal... Conceitos comuns para além dos papos de especialistas em divulgar pessoas jurídicas ou físicas. E que tal o esforço para encontrar a identidade de um lugar, tal como bairro, cidade, país, e, a partir daí, promovê-lo para gerar relações sociais mais fortes e fazer crescer a economia, por exemplo? Você acaba de ser apresentado ao place branding (construção de marca de lugares). 

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O papo com um dos pouco especialistas na área no Brasil, Caio Esteves, da empresa Places for Us, foi motivado por uma guerra travada pelo prefeito João Doria (PSDB) com a mais tradicional área LGBT do Brasil: o Largo do Arouche. O mandatário quer afrancesar a área, atitude que provoca sequência de críticas contundentes de Esteves. "Tem de ser muito egocêntrico para ter essa postura!" 

Tem alguém na cidade precisando de personal branding mesmo! 

O que é place branding?
Vou explicar por uma diferença. O place branding difere do place marketing. O primeiro olha para dentro do lugar; o segundo, para fora. O que isso quer dizer? O place branding trabalha com a identidade das pessoas envolvidas, com a vocação do lugar, que pode ser turística, de inovação, industrial, comercial, residencial... 

A gente vai entender qual é a vocação do lugar, algo que é construído junto com as pessoas que vivem aquele lugar - e não naquele lugar (apenas moradores). É, assim, uma construção colaborativa, de baixo para cima, coisa que o governo de São Paulo não aprendeu a fazer ainda infelizmente.

E o place marketing...
Depois do conceito interno construído, isso passa para o place marketing. Ele vai pegar isso e promover. Qual a diferença essencial? É que você pode fazer só place marketing. É uma promoção que não tem paridade com nada! Se ele for feito sozinho, ele tende a não levar em conta a identidade e vocação e, portanto, tende a ser superficial, artificial. 
 
Campos do Jordão, por exemplo, a Suíça brasileira... Como assim? A imigração não é suíça, não neva, não tem nada de suíço ali. Quer dizer, aquilo representa alguma coisa? Não! Aquilo é uma construção quase aleatória. E hoje virou um ativo para a sociedade. Isso não é place branding, é place marketing rasteirão. E achar que vai fazer um pedaço da França no Largo do Arouche é outro mal exemplo disso! 
 
Qual o problema de promover um lugar sem levar em conta a autenticidade?
Cada vez mais, falando de marcas de consumo, a gente procura identificação. Uma marca que, de maneira ou de outra, reforce o que a gente é ou o que a gente pensa que é ou gostaria de ser. É um reflexo da nossa identidade! 
 
Quando a gente fala de turismo, por exemplo, é uma experiência que é ampliada também nos lugares. A gente vai para um lugar que tem alguma coisa com a qual a gente se identifica. E mais do que isso: cada vez mais a experiência do turismo está baseada na autenticidade. E autenticidade só existe se ela for real. Ela está diretamente ligada à palavra verdade.
 
A gente volta pra pergunta: o que tem de autêntico em Campos do Jordão? Nada! Aquilo é um lugar de fato? Não, é Projac! "Vamos fazer uma cidade suíça, com todos os estereótipos que a gente tem da Suíça." Campos do Jordão é mais suíça que a Suíça! Eles trabalham com estereótipos. 
 
Que vantagens há em fazer uma construção coletiva?
A mais básica é o vetor econômico. Porque você identifica a vocação, o que tem de importante e relevante e desejável no lugar em vez de ficar inventando moda e começar alguma coisa do zero. No place branding, você usa aquilo que já está lá, é latente, já é nato. É muito mais fácil e é um vetor de crescimento, sempre!
 
Outra vantagem é o senso de pertencimento. É criar uma relação forte, afetiva entre as pessoas daquele lugar com aquele lugar. É você ter orgulho de ser e estar naquele lugar, algo que só se consegue envolvendo as pessoas no processo. Quando você vem de cima pra baixo, como a prefeitura está fazendo, nada disso acontece! 
 
Caio Esteves: "Gerir empresa é uma coisa. Cidade, é outra"
Então a gana de João Doria de afrancesar o Largo do Arouche sofre do mesmo problema... 
O Largo do Arouche é um caso desses, com certeza! O cara pode olhar e dizer: 'Isso aqui pode ser Paris. Não consigo ver uma outra coisa'. Cara, mude a lupa, mude a lente, aja, vá pro corpo a corpo, vá entender como é de dia, como é à noite, como é em final de semana, que pessoas estão lá, como elas se relacionam com o lugar, qual é a identidade.
 
Acho completamente improvável que ele tenha falado com mais de meia dúzia de franceses em três meses de governo lá no Largo do Arouche. Com quantos da comunidade LGBT ele poderia ter falado? Centenas, milhares! E são essas as pessoas que têm o maior interesse em promover o lugar em termos de identidade, respeito, segurança.
 
Vejo que o conceito de identidade é fulcral então! 
Com certeza! Entender e respeitar a identidade é a chave de tudo! E isso se retroalimenta! Como há autenticidade, o lugar torna-se um centro de gravidade e atrai empreendimentos, pessoas, visitantes, moradores que compartilham e querem vivenciar aquela identidade. Benefício? Cria fator de desenvolvimento positivo, sustentável no tempo. Isso não acontece com uma montagem, algo fake. 
 
Como você avalia o Largo do Arouche do ponto de vista do place branding? 
Está pronto para ser promovido! Pronto! É só embalar e fazer dali um destino turístico nacional e internacional. E explico: além da identidade LGBT, ele tem outro ponto fundamental, que são os equipamentos. Falo de lojas gays, boates, bares. Não nasceram ontem, têm tradição, história! E cresceu de forma orgânica, autêntica!
 
Há tudo isso e ficam querendo fazer outra coisa, que não respeita o DNA do lugar, isso é burrice! Eu falo isso muito para o mercado imobiliário: conheçam o lugar em vez de ficar com mania de varanda gourmet, arquitetura assinada... 
 
E isso gera conflito! Claro, não foi discutido, não foi construído, não foi feito de forma colaborativa! E, nesse caso, tem de ser muito burro, muito, para não valorizar o pink money, que movimenta tanto dinheiro! Em vez de aproveitar e potencializar esse fluxo, que é como um rio forte, a proposta é construir uma barragem! É de uma estupidez absurda! 
 
Tem de parar de olhar para lá como terreno! Não é um pedaço de terra! Lidamos com o conceito de que lugar é um espaço dotado de signficado pelo ser humano! E o Largo do Arouche tem camadas simbólicas e afetivas muito fortes de quem vive o lugar. 
 
Qual é, enfim, a atitude correta na sua visão?
É dar incentivos aos estabelecimentos e pessoas do lugar, qualificar, promover a melhoria, a zeladoria! Falar com os empresários e perguntar o que eles precisam para crescer naquele lugar com respeito à identidade. E isso só é feito com conversa, em conjunto, é com, e não de cima para baixo.
 
Fazer de cima para baixo é você se julgar o bonitão que sabe mais do lugar do que quem vive lá! Tem de ser muito egocêntrico para ter essa postura! Ou se conversa com as pessoas, se aprende com as pessoas, ou tudo vira um inferno. São elas que devem dizer o que eu tenho de fazer!
 
Sabe o ponto? Administrar uma empresa é uma coisa. Administrar uma cidade é outra! Aquela tem funcionário, ela é sua. Essa tem munícipe, outra natureza! E mais: contra a suposta ideia de um governo de esquerda que fala muito e pouco faz, vem a ideia de direita de ter de mostrar resultado! Só que resultado sem conversa não se sustenta!
 
E nem venha com argumento de que é uma empresa que vai pagar! Ah, para, vai! O que deve ser posto é: se é uma empresa que vai pagar, que tal fazer direito? Envolver as pessoas é a base da construção da municipalidade. A resposta, tenha certeza, não está no gabinete, está na rua! 

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