O 'pai' gay que criou o maior centro de acolhida trans do Brasil

Alberto Silva idealizou e coordena a Casa Florescer, serviço mantido pela prefeitura de São Paulo que atende 60 travestis e transexuais

Publicado em 27/12/2020
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Alberto tem mais de 25 anos de ação social e tornou-se referência no acolhimento de travestis e transexuais

Não, não é reportagem sobre um gay que adotou ou que tem filho vindo de relacionamento hétero. É sobre um "pai" que a cada dia levanta preocupado em saber como estão 30 pessoas que estão sob sua responsabilidade para que elas tenham vida melhor. 

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É assim que se sente Alberto Silva por seu trabalho à frente do primeiro e maior centro de acolhida de travestis e transexuais em situação de vulnerabilidade social do Brasil, a Casa Florescer, na capital paulistana e que abriga 60 pessoas. Ele coordena uma das duas unidades, a mais antiga.

"Acabo que me torno pai delas. Faço a mediação na convivência, cuido do acolhimento, converso, tento orientar...", conclui no meio da conversa com o Guia Gay São Paulo e feita por alguns minutos das 12 horas de trabalho por dia que Alberto precisa enfrentar para que tudo esteja certo.

É longa a história a disposição dele em ser porto seguro para quem precisa superar a turbulência do preconceito e da exclusão.

"Há cerca de 25 anos, comecei a atuar em projeto social de vôlei, com dança, e tive contato com a realidade da periferia. Vi o quanto era necessário ser feito. E não parei mais."

O trabalho aí, aos poucos, revelou necessidade dentro da necessidade. Explica-se: "Via a situação de trans... Nos serviços de atendimento geral, havia muita incompreensão com elas. Falta de respeito ao nome, à identidade... E isso vindo inclusive de outras pessoas albergadas. É um conflito de culturas, valores. Passei a cada vez mais conhecer a realidade das trans e a lutar para que fossem protegidas."

Por ter esse cuidado em defender respeito a travestis e transexuais, Alberto começou a ficar conhecido na assistência social da Prefeitura de São Paulo.

Quando uma trans procurava o serviço de apoio a quem vivia em situação de rua, a indicação era única: direcioná-la ao abrigo em que ele trabalhava. Era garantia de proteção contra preconceito de identidade de gênero. 

Esse trabalho foi solidificado a partir de 2012, no projeto social Portal do Futuro, da ONG Cooodenação Regional das Obras de Promoção Humana, em soma com a então Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual (Cads), da prefeitura paulistana e sob gestão de Cássio Rodrigo. 

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Ao todo, equipe de atendimento tem 17 integrantes, com profissionais na cozinha, psicologia e assistência social 

Ao longo dos anos, o número de trans abrigadas só aumentou, o que fez urgente a demanda por espaço dedicado apenas ao segmento. Eis que, em março de 2016, pela mesma entidade e por meio de convênio com a prefeitura, foi aberta a Casa Florescer, no bairro do Bom Retiro, região central. 

Em novembro de 2019, mais uma conquista, Foi criada a segunda unidade, dessa vez no Tucuruvi, na zona norte. Em cada uma delas, há 30 pessoas atendidas.

Ao todo, a equipe de atendimento tem 17 integrantes, com profissionais na cozinha, psicologia, assistência social e orientação sócioeducativa, por exemplo. Há ainda voluntariado composto por diversos perfis de atuação, tais como fotografia, ioga e corte e costura. 

A coordenação, oficlalmente, está sob responsabilidade de Alberto, mas, como ele faz questão de frisar, a construção do projeto é realizada por muitas mãos e mentes. 

"Tudo é discutido com elas, as regras, as prioridades, a forma de tocar a gestão", afirma. 

Aliás, trabalhar o protagonismo é um dos pilares da Casa Florescer. Muitas pessoas assistidas falam com potenciais doadores, empresas patrocinadoras e fazem palestra sobre inclusão social e identidade de gênero. 

Todas integram o programa Transcidadania, feito também pela prefeitura e que oferece bolsa mensal, cursos de qualificação profissional e incentivo ao estudo. 

É sim, claro, vitória dar condições para uma pessoa trans sair das ruas e ter onde tomar banho, comer, cuidar da saúde. Entretanto, há uma conquista maior, explica. 

"É gratificante vê-las com autonomia. Elas saírem daqui, terem condições para trabalhar no que desejam, construírem um lar próprio."

Aí há números. Até novembro de 2020, houve 331 pessoas assistidas pela Casa Florescer. Dessas, 81 são tidas como autônomas hoje, ou seja, conseguiram tirar do papel o plano de vida que fizeram ao entrar no serviço. 

E há mais solidariedade. "Muitas que passaram por aqui e que hoje têm emprego, renda, fazem doações para nós. Receberam ajuda quando precisaram e agora retribuem", diz Alberto com orgulho, definitivamente, típico de um pai.


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