O gestor gay que criou o maior programa social para trans do Brasil

Julian Rodrigues recorda o caminho da concepção e construção do Transcidadania

Publicado em 25/07/2020
julian rodrigues transcidadania
"O Transcidadania surge do meu compromisso pessoal e de vida com a luta das pessoas trans", afirma

Há cinco anos, nascia um marco para a cidadania de travestis e transexuais no Brasil. No 29 de janeiro, Dia Nacional da Visibilidade Trans, o então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), lançava o maior programa de inclusão social daquele segmento até então já visto e ainda não superado no País: o Transcidadania. 

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Era o registro no documento que tratava da primeira turma, com 100 pessoas beneficiadas: "o programa é fundamentado na transferência de renda, com bolsa em dinheiro, condicionada a ações de elevação da escolaridade e qualificação profissional, em atividades de 30 horas semanais durante dois anos, com módulos semestrais".

Antes de atravessar o mandato petista e, na atual gestão, do PSDB, atender 240 trans simultaneamente, e ser referência no Brasil e até no exterior quando se busca forma de dar dignidade ao segmento, o Transcidadania foi articulação, depois projeto e, enfim, sonho concretizado de um gestor público e ativista gay: Julian Rodrigues.

"O Transcidadania surge de proposta de governo e da sensibilidade do prefeito Haddad, e do meu compromisso pessoal e de vida com a luta das pessoas trans", recordou Rodrigues ao Guia Gay São Paulo.

E por falar em caminhos, outro grande foi percorrido pelo gestor até ele sentar na cadeira de chefe da Coordenação de Políticas para LGBT, no início do governo petista, em 2013, e arquitetar o Transcidadania. 

O mestre em Ciências Humanas e Sociais e especialista em economia do trabalho foi coordenador do Setorial Nacional LGBT do PT entre 2006 e 2012, um dos criadores da Frentre Parlamentar LGBT no Congresso Nacional em 2003 e, como assessor do então deputado federal Luciano Zica (PT-SP), autor de projeto de lei que incluía nome social de pessoas trans na carteira de identidade, isso há cerca de 15 anos. 

Atualmente, Rodrigues é ativista do Movimento Nacional de Direitos Humanos e integra o conselho da Aliança Nacional LGBTI+, maior rede de ativismo arco-íris do País. 

A credencial definitiva para liderar as políticas para LGBT na gestão de Fernando Haddad veio de seu trabalho na elaboração do programa de governo do futuro prefeito (2013-2016).

fernando haddad transcidadania
Prefeito Fernando Haddad no lançamento do Transcidadania, em 2015

De início, muitas mudanças, ele lembra. "Fui convidado a liderar a antiga Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual (Cads), que foi transformada, no governo Haddad, em Coordenação de Políticas para LGBT. Assumi o cargo em janeiro de 2013 e fiquei por cerca de um ano."

Até sair da coordenação principalmente por fogo amigo dentro do partido e dar a lugar a Alessandro Melchior, quem realmente implantou o Transcidadania, Rodrigues conseguiu hipertrofiar as ações da prefeitura em prol de LGBT. 

São exemplos de iniciativas as unidades móveis de atendimento em saúde e cidadania, o Programa Municipal de Saúde LGBT, a reestruturação do Centro de Cidadania na região central e a base para criação de outros quatro em diferentes zonas da cidade. E construir a genética como política pública do Transcidadania. 

A ideia
"O programa surge de seminário nacional feito em março de 2013 com a presença de gestores, ativistas e pesquisadores. Do evento, vieram as diretrizes do que seria o Transcidadania: uma bolsa no valor próximo ao salário mínimo que pemitisse às pessoas trans se dedicarem à elevação de escolaridade, curso de cidadania, capacitação profissional e processo de intermediação no mercado de trabalho."

Como ação da prefeitura de São Paulo para a população LGBT antes de 2013, era destaque o chamado Programa Operação Trabalho (POT) LGBT, que também dava bolsa e capacitação. O Transcidadania seria só continuidade com nova roupagem? 

Julian rejeita por completo até a pergunta em si. "O Transcidadania foi concebido como um programa geral, não é como o POT, que era, basicamente, transferência de renda e capacitação de trabalho. O que fizemos foi criar um programa transversal, uma cesta de políticas públicas focadas nesse segmento, o mais vulnerável." 

Como foi explicado por Haddad e pelo então gestor da coordenação LGBT Alessandro Melchior no lançamento, o Transcidadania é mais abrangente. Já no início havia ações em secretarias tais como de Saúde, Educação, Trabalho e Emprego, Políticas para Mulheres e Assistência Social. Hormonoterapia e abrigamento para trans em situação de rua estavam na "cesta".

No mais, como responde a atual gestão do município, tucana, o POT era voltado para a população LGBT, já o Transcidadania, como demonstra o nome, é específico. 

O conflito
Talhado na política e um homem de partido, Rodrigues é polido quando fala do fato de ter idealizado e gestado o programa, mas não ter tido a chance de implementá-lo. De toda forma, é firme na descrição do que viveu. 

"Eu deixei o programa pronto e articulado com todas secretarias. Estava preparado para lançar o programa em 2014, mas devido à troca de secretário do trabalho e conflitos internos no PT que me levaram a sair da coordenação LGBT, acabou não sendo lançado. E atrasou um ano."

Ainda sem adjetivos para pessoas e situações políticas, ele continua a narração. "O Transcidadania original, que eu desenhei, não é exatamente o programa que acabou sendo implementado. Depois que eu saí, o novo coordenador acabou fazendo umas modificações, com diminuição do escopo." 

Um pai de filho coletivo sem as flores das visitas, mas que sentiu o prazer da fecundação e as agruras e os chutes vividos em qualquer gestação. 


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