Pela primeira vez encenado no Brasil, espetáculo de autor inglês fala de Alex que recebe mensagem privada do seu falecido namorado e parte numa jornada seguindo pistas e enfrentando perigos numa tentativa de descobrir a verdade.
Esse suspense cheio de humor ácido convida a plateia a refletir sobre autoexposição, uso de drogas, paranoia, vida e morte na era do Instagram e outras redes sociais, quando já não há mais privacidade.
O autor Alexis Gregory conta que a peça surgiu das próprias observações do comportamento da população gay nas redes sociais. "Eu acompanhava frequentemente homens gays publicando suas psicoses, desesperados para compartilhar suas descobertas. Também via casos de gays que morriam repentinamente, sem explicação. Atualmente, a paranoia move o mundo. Com as pessoas empurradas até seus limites, o uso de drogas, teorias da conspiração e golpes online, facilmente conseguimos identificar a trama de um thriller”, diz.
E sobre o uso do humor ácido para tratar desse tema delicado e essencial, ele revela: "Eu uso humor em todos os meus trabalhos e a maioria deles aborda temas desafiadores. Humor é uma ótima ferramenta para atrair o público e mantê-lo envolvido, mesmo quando acompanhamos a jornada interna maluca de Alex. Nós ‘queerizamos’ o thriller".
Filipe Augusto, que dá vida ao protagonista e também é um homem gay com quase 40 anos, diz que vê algumas semelhanças com seu personagem. "Eu me vejo nas marcas deixadas pelo trauma de ter crescido em uma sociedade que fez com que a gente vivesse em um estado de alerta constante. O medo da rejeição, a homofobia dos outros (e aquela que nós mesmos internalizamos), a dificuldade de olhar para uma dor que nos habita e que, se não é encarada de frente, fere nós mesmos e as outras pessoas”, comenta o ator.
"Alex tem uma vontade tão grande, quase um desespero, por ser entendido e acolhido, por se encaixar, ao mesmo tempo que luta por se autoafirmar em um mundo que lhe parece muito hostil. Eu também já senti e continuo sentindo todas essas coisas em alguns momentos da minha vida. Trabalhar em Fumaça está me fazendo olhar para a minha infância gay no armário muito mais do que eu esperava, para refletir sobre o homem que me tornei. E por que eu desejo tanto me expor ao mesmo tempo em que tenho medo da exposição”, acrescenta.
Para contar essa história, a encenação de Fernando Vilela está centrada na tentativa de responder ao pensamento: "Compreender que temos vivido conectados 24 horas por dia, com o celular na mão o tempo todo, e que tudo é passível de compartilhamento e engajamento nas redes — do assunto mais banal ao mais severo — nos levou ao seguinte pensamento: Como dar corpo estrutural a esse fenômeno? Como traduzir essa sensação em linguagem cênica e visual?”.
Ele ainda conta que a cenografia reproduz uma espécie de jaula, um espaço de confinamento para os tormentos de Alex, e ainda pode ser vista como um grande ring light, dispositivo essencial de exposição no mundo conectado. Assim, a montagem pretende explorar todas as contradições existentes no próprio mundo das redes sociais.
Texto: Alexis Gregory. Direção: Fernando Vilela. Com Filipe Augusto. Assistência de direção: Gabriela Moraes. Preparação vocal: Malú Lomando. Luz: Gabryel Matos. Foto: Brendo Trolesi. Comunicação digital: Nova.ag. Produção executiva: Dani Aoki. Assessoria de imprensa: Pombo Correio. Realização: Verve Cia. 70 minutos. Classificação: 14 anos.